Confesso que a primeira impressão de Nápoles não foi das melhores. Chegamos de madrugada e encontramos uma cidade absurdamente suja (eles têm problemas sérios com a coleta de lixo, controlada pela máfia), inóspita, aparentemente saída de uma hecatombe e cheia de motos levando um, dois ou três caras esquisitos para um rolê. O Google Maps enlouqueceu e levamos horas para achar o hotel, entre ruazinhas estreitas com carros parados em fila tripla. Quando finalmente chegamos, percebemos que ficaríamos hospedados em frente a uma aprazível praça, cujo canteiro central era uma montanha de lixo, perto da não menos agradável estação ferroviária.
Ainda assim, gostamos muito de Nápoles. Foi um dos lugares mais genuínos que conheci. Acho que o principal para conseguir aproveitar a estadia por lá é vencer a intimidação que a cidade impõe em um primeiro contato. Ela não é bonita como Florença, não há muitos turistas na rua e o povo não é exatamente acolhedor. Enfim, Nápoles oferece uma experiência meio selvagem, que atrai e repele. É realmente difícil de explicar.
Nosso primeiro passeio foi tão desolador quanto a chegada na noite anterior. É mais ou menos assim: tudo o que o cabra não quer mais ele atira na rua. Tudo! Exemplos: pizza pela metade, garrafa pet, papel higiênico usado, privada, gaveta, gato morto (juro!). Não recomendo as cercanias da estação, ao menos que você tenha de pegar um trem.
Demos sorte de estar por lá em 19 de setembro, dia de San Gennaro, padroeiro da cidade. Nessa data (e em outras duas, todos os anos), acontece o milagre do santo. Segundo os devotos, consiste na liquefação do sangue dele, guardado em um vidrinho. Esperávamos enfrentar uma fila longa para ver o tal milagre, mas acho que os munícipes já estão acostumados e, como disse, em Nápoles não há muitos turistas. Fora da Igreja, rolam três dias de festas populares, onde se vendem balas daquelas borrachudas, quinquilharias chinesas, peixinhos que duram dois dias e mini tartarugas.
Subimos o funnicolare em direção aos bairros mais altos (e também mais nobres da cidade). Era feriado e havia uma aglomeração de adolescentes em uma cafeteria que imita o Starbucks. Apreciamos a vista de cima da cidade, e fomos ao porto, onde jantamos. Na volta para o hotel, o primeiro susto. Pegamos um taxi com motorista e um cara no banco do passageiro. Tentamos fugir daquela situação estranha, mas não deu. O taxista nos empurrou para dentro e apresentou o compadre como sendo pai de seu primo, depois seu irmão. Como nosso italiano serve apenas para dar o endereço, pedir por favor e agradecer, ficamos mudos enquanto eles conversavam em napolitano, um dialeto super forte e incompreensível que quase todos habitantes falam. Volta e meia ele se sentia na obrigação de explicar para nós o teor da conversa:
– Lui e eu estamos conversando sobre o carro, que é novo.
Ahã.
– Lui está dizendo que gostou muito do carro.
Deve ter sido exatamente isso que disse o Lui, só que em cem frases.
Situação tensa. A gente tenta não dar uma de turista pato, mas nem sempre é possível. Felizmente, não ficaram rodando com a gente, fizeram o caminho do hotel direitinho. O problema foi o taxímetro, que estava parado na módica quantia de 33 euros. Tentamos pedir para o motorista ligar, em vão. Ele nos cobrou 17 euros por uma corrida que custaria no máximo 5. Faz parte.
Passeios
Uma das vantagens de Nápoles é ficar próxima a uma série de outros locais turísticos como a ilha de Capri (que é acessível por ferryboat), as ruínas de Pompeia e as praias da bela Costa Amalfitana. Falo de Pompeia em seguida, com mais detalhes.
Desistimos do passeio a Capri para ficar mais um dia em Nápoles, e fomos à costa de carro. É possível ir de trem para Sorrento, a cidade mais badalada da região. Percebemos depois de ficar cinco horas tentando fazer a jamanta passar nas ruas super estreitas da estrada costeira que essa é, sem dúvida, a melhor opção. Costa Amalfitana de carro, nunca mais!
Fizemos a primeira parada em Scario, que fica além de Salerno, em outra costa, local de nascimento de meu bisavô, Giuseppe D’Angelo. O lugar é lindo, com uma rua principal de praia e restaurantes, e mais duas ou três de casas (são 1100 habitantes). Achar algum parente em um local tão pequeno não me parecia difícil, mas fiquei super inibida em sair perguntando (os italianos não são tão expansivos como as novelas brasileiras nos fazem crer). Por sorte ou ironia, escolhemos justamente o estabelecimento de um D’Angelo para almoçar. E quando perguntei ao senhor que nos atendeu se ele conhecia a família, soube que estava diante de um primo. Vito nos levou para conhecer a casa construída por meu tataravô, onde ele mora até hoje, e que dá fundos para o restaurante (muito bom por sinal, o U’Ziffaro). Infelizmente, meus parcos conhecimentos da língua nos impediram de conversar mais longamente, mas a coisa toda foi bem emocionante.
Em seguida fomos para Amalfi, uma das cidades da famosa costa. Muitos turistas, agitação de fim de tarde, igrejinha, tudo lindo. Sair de lá uma hora depois foi um pesadelo. Não conseguimos chegar a Sorrento (provavelmente estaríamos até hoje fazendo aquelas curvas entre a montanha e a pirambeira) e voltamos para Salerno, para pegar a auto-estrada e suas pistas múltiplas.
O último dia em Nápoles foi dedicado à visita ao Museu Arqueológico Nacional. Atenção, se você estiver pretendendo visitá-lo, cheque antes os horários de cada sala. A dos moldes de Pompeia, por exemplo, fechava às 12h30 (chegamos às 13h) e outras estavam prestes a encerrar o expediente. Saindo de lá, mais uma genuína experiência napolitana na praça onde fica a melhor confeitaria da cidade, a Scartuchio. Começou com um conjunto de caras tocando canções típicas e um velhinho dançando. O povo estava tímido, a praça meio vazia, mas, ei, estamos na Itália, e em cinco minutos todos pulavam e dançavam.
Para fechar a visita, ainda assistimos a um jogo do Nápoles versus Milan em um restaurante onde os garçons estavam mais preocupados em torcer do que em servir. Foi muito divertido e recomendo a quem visitar a cidade tentar ver alguma partida em local público.
Por fim, algumas dicas úteis. Fuja do hotel Best Western Plaza, não tanto por ele, que é um três estrelas razoável, mas pela localização. Fuja de qualquer outro hotel que fique próximo à estação. Nápoles é uma cidade estranha, entre outros adjetivos. Você está em uma rua horrível e a de trás é linda. E vice-versa. Anda três quarteirões e sai do centro histórico para cair em becos esquisitos. E esse jogo imprevisível é um dos seus encantos, ao mesmo tempo em que assusta, pois nunca se sabe bem onde está.
Em compensação, se jogue na comida deliciosa. Nápoles tem as melhores pizzas (a mais tradicional é a margherita, que lá leva bolas gigantes da melhor mussarela de bufála do mundo), frutos do mar, e doces, muitos doces. Há uma pasticceria por esquina, é o paraíso. Sfogliatella, spumoncino e, principalmente, o babà, que é um caso à parte (bolo bem fofo e meio enponjoso mergulhado em licor de rum ou limoncello), e tem em todo o lugar.
Decidi que vou me aposentar, fazer um estágio em uma vera (ou antica) pasticceria napolitana e, se sobreviver, volto para abrir uma igualzinha em São Paulo. Falta muito para os 60 anos?