Diário de viagem: Ah, Nápoles!

Vista de Nápoles

Vista de Nápoles

Confesso que a primeira impressão de Nápoles não foi das melhores. Chegamos de madrugada e encontramos uma cidade absurdamente suja (eles têm problemas sérios com a coleta de lixo, controlada pela máfia), inóspita, aparentemente saída de uma hecatombe e cheia de motos levando um, dois ou três caras esquisitos para um rolê. O Google Maps enlouqueceu e levamos horas para achar o hotel, entre ruazinhas estreitas com carros parados em fila tripla. Quando finalmente chegamos, percebemos que ficaríamos hospedados em frente a uma aprazível praça, cujo canteiro central era uma montanha de lixo, perto da não menos agradável estação ferroviária.

Ainda assim, gostamos muito de Nápoles. Foi um dos lugares mais genuínos que conheci. Acho que o principal para conseguir aproveitar a estadia por lá é vencer a intimidação que a cidade impõe em um primeiro contato. Ela não é bonita como Florença, não há muitos turistas na rua e o povo não é exatamente acolhedor. Enfim, Nápoles oferece uma experiência meio selvagem, que atrai e repele. É realmente difícil de explicar.

Nosso primeiro passeio foi tão desolador quanto a chegada na noite anterior. É mais ou menos assim: tudo o que o cabra não quer mais ele atira na rua. Tudo! Exemplos: pizza pela metade, garrafa pet, papel higiênico usado, privada, gaveta, gato morto (juro!). Não recomendo as cercanias da estação, ao menos que você tenha de pegar um trem.

Demos sorte de estar por lá em 19 de setembro, dia de San Gennaro, padroeiro da cidade. Nessa data (e em outras duas, todos os anos), acontece o milagre do santo. Segundo os devotos, consiste na liquefação do sangue dele, guardado em um vidrinho. Esperávamos enfrentar uma fila longa para ver o tal milagre, mas acho que os munícipes já estão acostumados e, como disse, em Nápoles não há muitos turistas. Fora da Igreja, rolam três dias de festas populares, onde se vendem balas daquelas borrachudas, quinquilharias chinesas, peixinhos que duram dois dias e mini tartarugas.

O milagre de San Gennaro

O milagre de San Gennaro

Subimos o funnicolare em direção aos bairros mais altos (e também mais nobres da cidade). Era feriado e havia uma aglomeração de adolescentes em uma cafeteria que imita o Starbucks. Apreciamos a vista de cima da cidade, e fomos ao porto, onde jantamos. Na volta para o hotel, o primeiro susto. Pegamos um taxi com motorista e um cara no banco do passageiro. Tentamos fugir daquela situação estranha, mas não deu. O taxista nos empurrou para dentro e apresentou o compadre como sendo pai de seu primo, depois seu irmão. Como nosso italiano serve apenas para dar o endereço, pedir por favor e agradecer, ficamos mudos enquanto eles conversavam em napolitano, um dialeto super forte e incompreensível que quase todos habitantes falam. Volta e meia ele se sentia na obrigação de explicar para nós o teor da conversa:

– Lui e eu estamos conversando sobre o carro, que é novo.

Ahã.

– Lui está dizendo que gostou muito do carro.

Deve ter sido exatamente isso que disse o Lui, só que em cem frases.

Situação tensa. A gente tenta não dar uma de turista pato, mas nem sempre é possível. Felizmente, não ficaram rodando com a gente, fizeram o caminho do hotel direitinho. O problema foi o taxímetro, que estava parado na módica quantia de 33 euros. Tentamos pedir para o motorista ligar, em vão. Ele nos cobrou 17 euros por uma corrida que custaria no máximo 5. Faz parte.

Passeios

Uma das vantagens de Nápoles é ficar próxima a uma série de outros locais turísticos como a ilha de Capri (que é acessível por ferryboat), as ruínas de Pompeia e as praias da bela Costa Amalfitana. Falo de Pompeia em seguida, com mais detalhes.

Desistimos do passeio a Capri para ficar mais um dia em Nápoles, e fomos à costa de carro. É possível ir de trem para Sorrento, a cidade mais badalada da região. Percebemos depois de ficar cinco horas tentando fazer a jamanta passar nas ruas super estreitas da estrada costeira que essa é, sem dúvida, a melhor opção. Costa Amalfitana de carro, nunca mais!

Fizemos a primeira parada em Scario, que fica além de Salerno, em outra costa, local de nascimento de meu bisavô, Giuseppe D’Angelo. O lugar é lindo, com uma rua principal de praia e restaurantes, e mais duas ou três de casas (são 1100 habitantes). Achar algum parente em um local tão pequeno não me parecia difícil, mas fiquei super inibida em sair perguntando (os italianos não são tão expansivos como as novelas brasileiras nos fazem crer). Por sorte ou ironia, escolhemos justamente o estabelecimento de um D’Angelo para almoçar. E quando perguntei ao senhor que nos atendeu se ele conhecia a família, soube que estava diante de um primo. Vito nos levou para conhecer a casa construída por meu tataravô, onde ele mora até hoje, e que dá fundos para o restaurante (muito bom por sinal, o U’Ziffaro). Infelizmente, meus parcos conhecimentos da língua nos impediram de conversar mais longamente, mas a coisa toda foi bem emocionante.

Em seguida fomos para Amalfi, uma das cidades da famosa costa. Muitos turistas, agitação de fim de tarde, igrejinha, tudo lindo. Sair de lá uma hora depois foi um pesadelo. Não conseguimos chegar a Sorrento (provavelmente estaríamos até hoje fazendo aquelas curvas entre a montanha e a pirambeira) e voltamos para Salerno, para pegar a auto-estrada e suas pistas múltiplas.

O último dia em Nápoles foi dedicado à visita ao Museu Arqueológico Nacional. Atenção, se você estiver pretendendo visitá-lo, cheque antes os horários de cada sala. A dos moldes de Pompeia, por exemplo, fechava às 12h30 (chegamos às 13h) e outras estavam prestes a encerrar o expediente. Saindo de lá, mais uma genuína experiência napolitana na praça onde fica a melhor confeitaria da cidade, a Scartuchio. Começou com um conjunto de caras tocando canções típicas e um velhinho dançando. O povo estava tímido, a praça meio vazia, mas, ei, estamos na Itália, e em cinco minutos todos pulavam e dançavam.

Para fechar a visita, ainda assistimos a um jogo do Nápoles versus Milan em um restaurante onde os garçons estavam mais preocupados em torcer do que em servir. Foi muito divertido e recomendo a quem visitar a cidade tentar ver alguma partida em local público.

Por fim, algumas dicas úteis. Fuja do hotel Best Western Plaza, não tanto por ele, que é um três estrelas razoável, mas pela localização. Fuja de qualquer outro hotel que fique próximo à estação. Nápoles é uma cidade estranha, entre outros adjetivos. Você está em uma rua horrível e a de trás é linda. E vice-versa. Anda três quarteirões e sai do centro histórico para cair em becos esquisitos. E esse jogo imprevisível é um dos seus encantos, ao mesmo tempo em que assusta, pois nunca se sabe bem onde está.

Em compensação, se jogue na comida deliciosa. Nápoles tem as melhores pizzas (a mais tradicional é a margherita, que lá leva bolas gigantes da melhor mussarela de bufála do mundo), frutos do mar, e doces, muitos doces. Há uma pasticceria por esquina, é o paraíso. Sfogliatella, spumoncino e, principalmente, o babà, que é um caso à parte (bolo bem fofo e meio enponjoso mergulhado em licor de rum ou limoncello), e tem em todo o lugar.

Babà do Scaturchio, saudades eternas!

Babà do Scaturchio, saudades eternas!

Decidi que vou me aposentar, fazer um estágio em uma vera (ou antica) pasticceria napolitana e, se sobreviver, volto para abrir uma igualzinha em São Paulo. Falta muito para os 60 anos?

Diário de viagem: Ah, Toscana!

A ideia aqui era tirar um dia da viagem para correr pelos campos, abraçar os ciprestes e os rolos de feno, provando do melhor queijo e vinho, visitando pequenas cidadezinhas naquele que se tornou um dos estados mais cobiçados da Itália, a Toscana. Filmes e novelas contribuíram para esta fama, que é mais que justificada. As vinhas e as casas de pedra aqui e ali compõem a paisagem perfeita. Para dar conta de conhecer tudo o que a região oferece (há tours gastronômicos e também vários outlets) é preciso mesmo ter mais de três dias disponíveis.

Como o tempo era escasso, aproveitamos a viagem a Nápoles, e fomos às cidades de Pisa e Montalcino. A primeira está à uma hora de Florença. Ficamos pouco, o suficiente para ver e fotografar a famosa Torre. Há alguns museus e a catedral, que pode ser visitada, mas não me pareceu um local com muitas opções. Há sim uma infinidade de turistas, todos fazendo poses bizarras para conseguir o melhor ângulo para a foto, e muitos ambulantes, que te oferecem todo o tipo de quinquilharia.

Em Pisa, faça como os turistas

Em Pisa, faça como os turistas

Voltamos para a estrada com a intenção de ir para San Geminiano, uma cidade medieval murada. Também pensamos em parar em Vinci (cidade de Leonardo) ou Luca (não sei bem porque, gostei do nome), mas perdemos todas as saídas. Decidimos ir a Montalcino, que fica um pouco mais para frente. O desvio nos custou mais duas horas de estrada. Vale dizer que o caminho é bonito, e as pistas são ótimas, mas tortuosas e sem iluminação depois que escurece.

A cidade é linda, não tem mais de dez ruas, um castelo e muitas lojas de vinho. Numa delas, travamos o seguinte diálogo com um pouco amistoso e enfático velhinho toscano:

– Parla inglese?

– Parlo Brunello! (nome do vinho mais conhecido do local).

Ao que saímos sem mais nada dizer, por não conhecer o citado idioma e nos vermos incapacitados de prosseguir com a transação.

Outra atração da cidade são as vinícolas que ficam abertas, à beira da estrada, para qualquer um entrar. Quando chegamos, havia turistas tirando fotos com as uvas. Não sei até que ponto há risco de levar chumbo no traseiro se o proprietário do local te pegar apalpando e colhendo suas preciosidades, mas a foto vale a tentativa.

Cipreste ideal para abraçar em Montalcino

Cipreste ideal para abraçar em Montalcino

Diário de viagem: Ah, Florença!

É difícil não se apaixonar imediatamente por Florença. A cidade é linda, limpa, cheia de obras de arte, esquinas e becos charmosos, cafés e bons restaurantes. É tranquila e muito acessível para o turista. O único porém é exatamente este, a quantidade de turistas que, se não chega a incomodar como em Veneza, lota as principais atrações e provoca longas filas, sobretudo nos museus. Mas não desanime, pois Florença compensa qualquer dissabor que possa, não intencionalmente, oferecer.

Chegamos de carro, vindos de Milão. A estrada é ótima e a viagem durou cerca de 2 horas, sem paradas. Ficamos hospedados no hotel NH Firenze, que sem qualquer razão aparente nos deu um upgrade para um quarto maravilhoso, de piso de mármore e banheiro gigante para os padrões europeus. O primeiro desafio na chegada foi estacionar nossa querida jamanta de sete lugares + porta malas gentilmente cedida pela Herz, que atendeu ao contrário nosso pedido por um carro compacto.

Aliás, o aluguel da jamanta em Milão merece um parágrafo. A ideia inicial era alugar um Fiat 500, mas percebemos que um carro tão pequeno não comportaria nossa volumosa bagagem. Um Focus foi a solução encontrada. Chegando na agência, nos deparamos com um simpático aviso que dizia que os carros não seriam entregues e as reservas não seriam honradas aos párias estrangeiros que não portassem carteira internacional de habilitação, que logicamente não possuíamos. Momentos de pânico até perceber que a tal carteira não tinha sido solicitada a um grupo de brasileiros que estava na nossa frente. Quando chegou a nossa vez, aceitamos tudo o que o atendente ofereceu, inclusive esse projeto de Topic, para acabar logo com aquele sofrimento. Ele não mencionou a carteira e ficamos com o micro-ônibus para rodar as estreitas cidades italianas.

Voltando à Florença, resolvemos deixar o carro em uma rua próxima e colocá-lo em uma garagem no dia seguinte e fomos jantar. A primeira para foi o restaurante Antica Osteria 1 Rosso, de comida boa, preço ok e atendimento mezzo. No fim do jantar caiu uma tempestade, fomos até à jamanta e paramos em um estacionamento público em frente ao hotel. Estacionar um carro é mesmo uma questão por aqui, os estacionamentos públicos são caros e escassos (e em Florença eles estavam ainda mais controlados, por conta de uma corrida de bicicleta que a cidade iria sediar) os privados são mais caros ainda e o melhor é mesmo arrumar outra forma de deslocamento. No nosso caso não tinha outro jeito, já que rodamos praticamente todo o país e fazer todo esse trajeto de trem seria inviável.

No dia seguinte, saímos para fotografar o centro antigo, sem rumo definido. Fomos à Ponte Vecchia, e depois à Duomo. Resolvemos subir na cúpula para uma visão panorâmica. O ticket para a subida dá direito à visita ao Museu da Igreja, que está quase que totalmente em reforma (só é possível ver a Pietà, de Michelangelo, e a Porta do Paraíso) e custa 11 euros (free para jornalistas com a carteira internacional de imprensa, grazie*). Achei meio exagerado o quanto avisam para cardíacos, hipertensos, portadores de vertigem e outros males não subirem, mas depois entendi. A escadaria é de matar, mesmo. A vista vale à pena, mas pensei em desistir mais de uma vez. Lá de cima, a vista é essa aqui:

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Sem arrependimentos em Florença!

Em seguida, paramos em uma maravilhosa loja da Lindt, cheia de brasileiros. Impressionante como esse chocolate é fetiche entre nós (e eu me incluo!). Deve ser resquício da época em que pouca gente podia viajar e o auge do refinamento era oferecer ao amigos aquelas miniaturas de chocolate compradas no Free Shop. Mas a loja é incrível, tem iguarias que não chegaram no Free Shop e compensa para os amantes de doce.

Passamos o resto do primeiro dia em Florença rodando a cidade, tirando fotos e jantamos vergonhosamente no Hard Rock Cafe, que é caro e brega, mas serve um hambúrguer monstro e eu gosto.

No dia seguinte, o primeiro destino foi a Accademia di Belle Arti, um dos principais museus da cidade que abriga, entre suas obras principais, o monumental David, de Michelangelo. Fila, fila, fila, é tudo o que tenho a dizer. Chegue cedo, compre o ingresso antes pela internet, ou então picareteie como nós fizemos e entre em um tour que passa na frente da galera. Custou caro, 29 euros, mas eu estava com uma dor nas costas mortal e não aguentaria ficar duas horas em pé esperando para entrar. A guia foi ok, sempre ajuda a entender melhor o contexto em que as obras foram produzidas, as técnicas utilizadas etc. Não é permitido tirar fotos de nada por motivos de copyright, ou seja, para estimular que as pessoas comprem postais de todos os ângulos da estátua, vendidos em ABUNDÂNCIA na lojinha do Museu. É claro que essa proibição ridícula faz com que todo mundo espere o guarda se distrair para tirar um milhão de fotos ilícitas, o que transforma a trilha sonora do local em gritos permanentes de NO PICTURES!

A próxima parada foi a Igreja de Santa Croce, onde há os túmulos de Maquiavel, Puccini, Dante Aligheri, Galileu Galilei e Michelangelo. Em seguida, fomos à Galleria Uffizi, outro museu super importante da cidade, que abriga trabalhos de Botticelli (Nascimento de Vênus), Caravaggio (Medusa) e, como não poderia deixar de ser, uma infinidade de imagens da Madonna con Bambino, que, pessoalmente, não atraem meu interesse. Terminamos o dia com um jantar incrível e super recomendado no La Spada, que achamos totalmente na sorte, e serve um magnífico Menu Toscano, com direito a Ribollita (sopa toscana), Bisteca Fiorentina (de chorar) e sobremesas sortidas.

Em dois dias conseguimos visitar os principais pontos turísticos da cidade, e ainda caminhar relativamente sem destino, o que sempre me parece bem divertido. Um dia extra teria sido bacana para uma visita ao Palácio Pitti, antiga residência dos Medici (família de banqueiros e mecenas muito importante em Florença), atualmente transformada em um museu que abriga sua coleção de arte. Florença ainda oferece boas opções para compras, com as principais marcas (as caras e as mais viáveis, tipo Zara e H&M) e lojas de departamento italianas.

E, para terminar, uma bobaginha para quem, como eu, foi criança nos anos 1980/90 e teve suas primeiras noções de história da arte via Chapolim Colorado, em seu memorável episódio sobre Leonardo da Vinci e Lorenzo de Medici.

* Sobre a carteira de imprensa internacional que mencionei acima, ela pode ser solicitada (mediante pagamento) por jornalistas profissionais junto à FENAJ. Em boa parte da Europa, a apresentação da carteira garante entrada gratuita (ou descontos) nos principais museus e atrações turísticas. Na Itália, entrei sem pagar em atrações e museus públicos.

Diário de viagem: Ah, Milão!

DuomoMilão é uma cidade incrível e deve ser ainda melhor visitá-la sem estar resfriada. Passei dois dias por aqui me arrastando, mas firme e (meio) forte no desejo de ser turista e conhecer/ fotografar tudo o que fosse possível.

Chegando ao hotel Four Points, muito bom por sinal, encontrei o primeiro italiano que fez jus ao estereótipo. Em cinco minutos, Marco, o recepcionista, falou em quatro idiomas, rabiscou o mapa e dançou balé para me provar a superioridade da ópera à dança, coisa que eu já sabia. Vim para cá de trem, são 2h30 de Veneza, por uma quantia acintosa de 40 Euros. O trem é super pontual, confortável e oferece no seu vagão restaurante, que eu particularmente adoro, um panini justo e aceitável.

Nossa primeira parada foi o magnífico La Scala, onde Maria Callas e Giuseppe Di Stefano reinaram absolutos e onde eu sempre sonhei assistir a uma ópera o que, evidentemente não foi possível, já que estamos às vésperas do início da temporada de balé (sorte). Depois de passar pela Duomo e atravessar a Galeria Vittorio Emanuelle, surge um prédio menos suntuoso do que eu imaginava, mas, vá lá, é o Scala que estava: fechado (a última visita começava às 17h e eram 17h01). Na sequência tentei visitar a Pinacoteca Ambrosiana e ela estava, adivinhem: fechada! Me contentei em andar pelas infinitas ruas de comércio, cujas lojas estavam todas abertas, é lógico. Contrariando meus impulsos consumistas, certamente prejudicados pela doença, mal entrei em duas lojas, não comprei nada e sentei para um aperitivo em um dos milhares de bares de mesinhas na calçada.

Ali, além de apreciar um Rossini, meu mais novo drink preferido, pude observar com afinco e interesse científico o tenebroso hábito da cantada italiana – que não é melhor ou pior que a brasileira – é apenas diferente. As vítimas eram duas russas sentadas logo à nossa frente que foram xavecadas por absolutamente TODOS os homens que passaram por elas, pelo vendedor de flores, pelo vendedor de pulseirinhas, pelo cara bêbado da mesa ao lado e, quando se levantaram e foram caminhando na minha frente, por todos os caras que passaram por elas. Aqui a cantada não é necessariamente verbal, mas ostensivamente visual e igualmente agressiva. Bora encomendar uma pesquisa “Chega de fiu fiu” para nossas amigas italianas, que estão precisadas.

O dia terminou com jantarzinho gostoso e honesto no Café Norin, que prometi avaliar positivamente no Trip Advisor e que recomendo pela qualidade e simpatia do chef, um egípcio que morou na Síria e tem muita história para contar (e paciência de explicar onde fica o país e qual é sua capital para um casal de americanos desses que confundem Brasília com Buenos Aires).

Manhã seguinte, gripe no talo, o remédio é city tour. Peguei o ônibus de dois andares que enfeita todas as capitais da Europa e fomos direto tentar ver a Última Ceia, de Da Vinci, na Igreja de Santa Maria delle Grazie. Dica para xs amigxs viajantes: agendem a visita de casa, porque aqui só tinha para a sexta que vem. Mais um pouco de tour, de volta ao La Scala: museu aberto, grátis para jornalistas e meio decepcionante. Parece que estão organizando uma mega exposição pelo centenário de alguém que eu não estarei aqui para ver. Por conta disso, estão disponíveis apenas as salas com uma infinidade de bustos de compositores e quadros medonhos de cantores e cantoras que passaram por lá. Nem um único figurino de La Callas para adorar. Ponto para o camarote que dá acesso à vista interna do teatro, onde derramei uma lágrima.

Depois do teatro parei para almoçar em um restaurante recomendado pelo guia, o Peck, como uma experiência gastronômica. Comida incrível e bem cara para os padrões daqui e para os meus, sorvete delícia e uma infinidade de produtos maravilhosos, como os 50 tipos de grana padano, 30 de salame e por aí vai.

Na saída, mais uma tentativa bem sucedida de visitar a Pinacoteca Ambrosiana que nos oferece 450 pinturas de motivos religiosos, algumas delas de Tiziano e Botticelli, uma incrível natureza morta de Caravaggio (vale a visita) e páginas do Codex Universal, de Da Vinci. O museu em si tem uma estrutura estranha, com mil salas labirínticas, um monte de coisa misturada. Achar o banheiro é uma aventura e as pessoas que trabalham lá cantam o seu marido, mostrando que o mal hábito é, ao menos, democratizado por aqui.

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Ainda deu tempo de chegar até o Castelo Sforzesco, dar uma volta pelo parque e ir de metrô a Naviglio Grande, zona boêmia e cult da cidade, cheia de gente de todas as idades. Tentei tomar um segundo Rossini, mas não havia morangos, a garçonete me explicou, dizendo que tudo ali era feito com ingredientes frescos. “Mas você gosta de melancia?”, ela me pergunta. “Sim”, digo. “Então farei para você um drink especial, com a fruta e pimenta. É fantástico”. Alguns minutos depois, ela volta:

– Sua caipiroska!

Boa noite, Brasil.

 

Diário de viagem: Ah, Veneza!

Veneza
Veneza é um labirinto de ruas, pontes e canais, e deixar-se perder por eles é a melhor forma de aproveitá-la. Hordas de turistas se direcionam principalmente para a Praça São Marcos, ponto mais importante e central, e espalham-se em pequenos grupos por todo lado. É impossível fugir delas, mas não chegam a estragar a paisagem.

Na Praça propriamente, há quatro atrações principais. A Basílica de São Marcoa, onde é permitido entrar sem pagar, decorada com arte majoritariamente bizantina; o campanário, com sua longa fila para subir; o palácio do Doge, local onde eram tomadas as decisões políticas da cidade (e que inclui o Senado, a sala da censura e a prisão); e, por fim, os bares,que oferecem mesinhas ao ar livre, música ao vivo e o Spritz (drink da moda: Campari, com prosecco e laranja) mais caro da vida.

Aliás, tudo é caro em Veneza, e você tem a sensação de estar pagando muito mais do que deveria, como em todo local que recebe uma quantidade enorme de turistas e vive disso. Restaurantes, gondoleiros e museus (jornalistas com carteira internacional pagam metade) enfiam a faca, e não há muito que fazer a não ser aproveitar e sentir os euros escorrendo pelo bolso ao som do cantor mais próximo.

Alimentação

Deve haver alguns restaurantes bons em Veneza, mas esses não foram os que eu freqüentei. A maioria oferece um menu turístico que inclui couvert, primeiro prato e segundo prato por preços que variam de 13 a 20 Euros, dependendo do bairro. As opções são praticamente as mesmas nesses cardápios, aquela coisa meio preguiçosa e pré-pronta para turista. A oferta de sorvetes é farta, há uma gelateria por rua e, como nos restaurantes, certa pasteurização. Imperdível mesmo, só tomei um, na Ca’Doro.

Arte

Por motivos óbvios, a esmagadora maioria das obras de arte em Veneza faz referência à religião. Há muita coisa exposta nas igrejas, no Palácio (principalmente obras de Tintoretto e Veneziano) e na Academia, que é visita obrigatória. Lá, atualmente, está em cartaz uma exposição com desenhos de Leonardo da Vinci, inclusive o Homem Vitruviano. Como não sou grande fã de arte sacra, me joguei na modernidade da coleção da Fundação Peggy Guggenheim, que tem Picasso, Kandinsky, Dalí, Miró, Pollock e esculturas de Giacometti em um espaço pequeno, mas com jardim e vista lindos.

Passeios

Recusei-me a pagar 150 euros por um passeio de gôndola individual. Também não andei de taxi-barco ou nas gôndolas públicas, que são ônibus fluviais lotados, com gente esmagada quase caindo para fora. Fiz um passeio alternativo ate a região dos guetos novo e velho, onde se instalaram os judeus que emigraram para a cidade e fundaram os primeiros bancos do mundo (na verdade, casa de penhores, que funcionavam sete dias por semana, das 3 da manhã à meia noite). Um deles, o Banco Rosso, pode ser visitado, e oferece, em duas salinhas, uma exposição de objetos penhorados à época e um documentário sobre sua história. Segundo o filme, é graças ao banco que é utilizada a expressão “estar no vermelho”, que conheço tão bem.

Idioma e trato com o estrangeiro

No geral, as pessoas são educadas e procuram falar em todos os idiomas para atender ao turista. O resultado disso é um dialeto que mistura italiano, espanhol, inglês e português, onde todos se entendem. Há uma disposição para isso e me senti menos criminosa por não falar a língua local do que na França.

Estava quase decepcionada com o bom humor das pessoas quando encostei perto de uma floricultura e fui enxotada pelo vendedor que passa o dia fazendo o mesmo com quem se aproxima. É proibido cheirar as flores ali, mensagem que é passada aos berros e com largo gestual. Ah, Itália!

Hospedagem e transporte

Fiquei no Novotel, em Mestre, arredores da cidade, e este foi meu único porém, apesar do hotel ser ótimo. Gostaria de ter ficado no centro e aproveitado mais a noite de Veneza, que parece animada pela infinidade de universitários. Aliás, nada mal fazer graduação lá, tomando Bellini e tocando violão pelos becos. Não sei exatamente o quanto custa ficar hospedado em um hotel por lá, e imagino que seja caro, mas há uma infinidade deles, de todos os padrões. Para ir e voltar de Mestre, peguei um ônibus que custava 1,30 Euros, com ticket comprado no hotel. O problema é que este ônibus parava de circular pontualmente às 20h35, o que me fez gastar 30 Euros de taxi, para depois descobrir que havia outra opção que circulava até à meia-noite. Coisa de turista. Atenção para a bandeira dois do taxi, que começa a valer, com pontualidade britânica, às 21h.